‘Papo de Polícia’
Policial federal, protagonista do programa ‘Papo de Polícia’, fala de riscos, recompensas e dilemas da profissão
Por: Mauro Ventura
Marcio Bouzas vive de sobreaviso. Aos 38 anos, carioca de Copacabana, formado em Educação Física, ex-policial civil, ele é agente da Polícia Federal, lotado há três anos e meio em Foz do Iguaçu (Paraná). É do Núcleo Especial de Polícia Marítima (Nepom), grupo de elite que atua na fronteira, combatendo o contrabando e o tráfico de drogas e armas. A delegacia de Foz foi responsável, ano passado, por um terço da maconha apreendida no país. Fora roupas, brinquedos, cigarros, celulares. Junto com o baiano Rafael Ramos, que deixou a carreira na aviação civil porque queria adrenalina, Marcio é o protagonista da quarta edição do “Papo de Polícia”, programa do AfroReggae que estreia dia 5, às 23h, no Multishow. Antes de Foz, ele passou três anos e meio em Guajará-Mirim (Rondônia), na fronteira com a Bolívia, rota de cocaína. “Ela vem escondida em carro, caminhão, tanque de combustível. E, em pequenas quantidades, vem em chinelo, fivela de cinto, desodorante, bombom.” Casado com uma jornalista, que apresenta um jornal local de TV por assinatura, ele a ajuda em seu trabalho: grava, edita e faz efeitos visuais de vídeos. REVISTA O GLOBO: Como é sua rotina em Foz do Iguaçu? MARCIO BOUZAS: Minha rotina é a falta de rotina. Fazemos operações de patrulha no Rio Paraná e no Lago de Itaipu, que são os marcos geográficos que delimitam a fronteira do Brasil com o Paraguai e por onde passa boa parte do contrabando. O Nepom também trabalha em terra, pois o produto que vem do Paraguai tem que ser descarregado em algum porto clandestino. É um estado de alerta constante, pois o crime não tem hora para acontecer. Fale de algum momento arriscado. Uma vez perseguimos e capturamos um barco. Assumi a embarcação. Mas o motor do barco do nosso grupo falhou e seguranças dos contrabandistas começaram a atirar em nós, a 400 metros dali. Enquanto eu dirigia o barco capturado, um colega tentava resolver a pane e um terceiro trocava tiros. Ficamos à deriva. Felizmente o motor pegou e escapamos. E quando você trabalha embarcado fica vulnerável a chuva, frio, sol intenso. Já perdi a conta de quantos celulares foram parar nos braços de Iemanjá. E conte algum momento emocionante. Eu e Rafael perseguimos por dez minutos um carro que entrou numa garagem. O motorista fugiu pulando o muro dos fundos. Da casa, saiu uma senhora chorando: “Não prende ele, moço, por favor, deixa a gente ficar com a mercadoria (brinquedos contrabandeados), preciso pagar o tratamento de meu filho.” Ela suplicava de joelhos e nos levou até um quarto onde havia um jovem de uns 15 anos, de quatro, na cama, cheio de fixadores ortopédicos na cabeça e no pescoço. Os ossos da coluna estavam corroídos. Nessa hora você questiona seu papel. O Estado tratou aquela família com desprezo, foi incapaz de cumprir seu dever constitucional de protegê-la e mandou a polícia lá tirar a pouca chance de fazer o garoto sobreviver. Você se sente impotente, fica dividido, mas não pode ser juiz da situação. Apreendemos o veículo e a mercadoria, mas você vê como o Estado às vezes usa a máquina repressora para cobrir seus defeitos e deficiências. Como você encara esse dilema? Não tem como falar de polícia sem falar de problema social. Foz do Iguaçu é uma cidade complicada, muita gente vive do contrabando, que é encarado como mal menor, apenas burlar o imposto do Estado. Então o que fazemos nem sempre é bem visto. Executo meu trabalho, você tem que fazer o que é correto, mas fica o sentimento de que o Estado tem que fazer algo mais. Vivemos no século XXI com uma administração do século XVII. No programa vocês visitam um orfanato com 80 crianças. Vimos o que é feito com o material apreendido por nós e depois encaminhado para a Receita Federal. Boa parte do sustento da instituição vem dessas doações. Fico feliz de ver que algo bom é feito com as mercadorias, mas se não houvesse o contrabando e as apreensões será que a instituição conseguiria se manter?
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