Entra em vigor hoje a Lei de Combate à Corrupção (nº 12.846/13), uma das iniciativas mais importantes do Legislativo nos últimos tempos.
Os menos avisados podem se perguntar sobre o que há de novo, uma vez que a corrupção já era proibida em nosso ordenamento. Mas há uma diferença: em geral, as normas anteriores puniam apenas as pessoas físicas que cometiam a corrupção, deixando de lado a empresa, em regra a mais favorecida com o ato.
Agora, as empresas também serão responsabilizadas por atos de corrupção e outros similares praticados em seu benefício. A lei prevê penas duras, como multas de 0,1% a 20% do faturamento bruto, vedação de contratar com o poder público e até a dissolução compulsória, uma “pena de morte empresarial”.
Talvez a inovação mais significativa –e polêmica– seja a previsão da responsabilidade objetiva da empresa. Com isso, a corporação será punida mesmo que seus dirigentes não tenham autorizado o ato ilícito. Basta que um funcionário parceiro, contratado ou consorciado tenha oferecido ou pago vantagem indevida a funcionário público, e as penas serão aplicadas.
Desde que a empresa seja beneficiada pelo ato, claro. Assim, se uma corporação contrata um serviço de terceiro para obter licença ambiental, e este pague propina, ambos serão punidos.
A ideia do legislador é que a empresa cuide não apenas de sua probidade, mas também se assegure do comportamento ético daqueles com os quais trabalha. Claro que isso tem o limite do bom senso, dada a impossibilidade de se conhecer integralmente o caráter de seus parceiros ou empregados. Mas a ideia é incentivar a corporação a desenvolver sistemas de controle internos que façam checagens periódicas sobre seus colaboradores, assegurando-se de que todos mantêm uma postura correta em relação ao poder público.
Nessa linha, a lei prevê a redução da sanção para a empresa que mantiver mecanismos internos de prevenção a atos ilícitos, códigos de ética, auditorias regulares e canais para denúncias. Busca-se, com isso, estimular o compromisso empresarial com uma cultura ética.
Os impactos da lei já foram sentidos. É notável como boa parte das corporações revisaram ou criaram regras de boas condutas, estabeleceram padrões rígidos de comportamento e passaram a colaborar com investigações em suas dependências. Ao contrário de tantas leis que “não pegam”, essa surtiu efeitos mesmo antes de entrar em vigor.
É claro que existem problemas. A falta de critérios claros para a fixação das penas e a possibilidade de que a União, Estados e municípios apurem os fatos e apliquem sanções autonomamente podem gerar excessos e conflitos. Mas espera-se que os entes federados estabeleçam diretrizes para uma atuação harmônica. Do contrário, o Judiciário será acionado para garantir a razoabilidade na incidência da lei.
Criticas à parte, a lei é boa. Vale sempre lembrar que não se trata de norma penal. Não tem a contundência inútil da ameaça de prisão, mas a racionalidade de identificar os reais beneficiários do ato de corrupção e puni-los, afetando seu setor mais sensível: o faturamento. Ademais, ao prever a colaboração das empresas na identificação ou repressão aos ilícitos que possam ser praticados em seu benefício, o poder público faz uma espécie de prevenção geral positiva, forçando a incorporação de novos valores na organização corporativa.
Se tal estratégia é adequada, o tempo dirá. Mas criar dispositivos que incentivem a cooperação dos agentes privados parece mais eficiente do que a velha e fracassada política de aumentar penas ou transformar tudo o que incomoda em crime hediondo, como se isso, num passe de mágica, reduzisse o crime organizado a pó.
PIERPAOLO CRUZ BOTTINI, 37, advogado, é professor doutor de direito penal da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (governo Lula) IGOR TAMASAUSKAS, 37, é advogado. Foi subchefe adjunto da Casa Civil da Presidência da República para Assuntos Jurídicos (governo Lula)
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