Por trás da crise na segurança pública e penitenciária

Opinião

A crise que envolve o sistema prisional e a segurança pública no Maranhão não é restrita a esse Estado. Em maior ou menor grau o problema é nacional. Estão aí os casos registrados rotineiramente em outras unidades da Federação. Isso, evidentemente, não minimiza o problema do Maranhão. E o governo do Estado tem de enfrentá-lo. Já o governo federal deve ocupar-se do fato em todos os Estados brasileiros. Isso implica a elaboração e execução de um programa nacional de segurança pública e penitenciária, que não fique adstrito aos arquivos dos computadores e pastas almofadadas dos ministérios. Um plano que resulte da análise dos problemas do setor, com definição de medidas viáveis, eficientes e eficazes, fiscalizadas não só para seu cumprimento, mas, acima de tudo, para não serem minadas pela corrupção. Esta, sim, a origem de situações como essa que vulneram áreas de responsabilidade estatal. A decisão governamental de construir onze presídios para solucionar o problema local é o reconhecimento de uma defasagem monumental, que remonta a governos anteriores. Contudo, se no presente o sistema carcerário ressente-se da falta de pessoal qualificado para as funções de seus cargos, de que adiantarão presídios se não há tais recursos? Essa demanda de presídios, de recursos materiais e pessoal qualificado para nelas trabalhar não nasceu no atual governo, nem no anterior, ou antes do anterior. Vem de vários governos, porque, na verdade, nenhum deles se preocupou em cuidar da questão penitenciária e da segurança pública com um programa de médio e longo prazos, viável, eficiente e eficaz. A situação agravou-se no Maranhão e agrava-se pelo País afora porque as medidas tomadas são paliativas, improvisadas, emergenciais e viciadas. Não será diferente enquanto não houver um freio na corrupção enraizada na cultura de quem age em nome do poder público ou com ele tem negócios. No caso do sistema prisional, a corrupção não é apenas de quem trafica drogas, armas e outros objetos para dentro dos presídios. Está na construção de suas unidades, no fornecimento de alimentos para os detentos e em outros produtos e serviços prestados para o sistema. É a mesma coisa na área da saúde, da educação, dos transportes, do saneamento básico, do lazer. Por outro lado, às condições insalubres e carentes de estrutura física adequada, recursos materiais e equipamentos, deficiência numérica de pessoal, de sua qualificação e aperfeiçoamento, soma-se a inexistência de uma política salarial, assistencial e previdenciária digna para os servidores públicos do setor. Também não ajuda nada apontar culpados porque essa responsabilidade é solidária, concorrente. Os Poderes da República,  dos estados e municípios deveriam privilegiar o combate à corrupção, incrementar o investimento no corpo docente do País, na estrutura de suas instituições de ensino, na eficiência do atendimento da rede pública de saúde e de transporte da população.  Sem isso, onze presídios já serão insuficientes ao término de sua construção. Crianças e jovens, sem educação, sem futuro, não terão outra opção senão o crime, inicialmente pela necessidade, depois, pelo aprendizado. Igualzinho aos filhos da corrupção, que a veem no exemplo doméstico como um estímulo para se dar bem sem o ônus do estudo e do trabalho honesto. Esse aprendizado é estimulado nas próprias faculdades, onde os valores éticos e morais têm sido colocados de lado. Tem razão o governador do Ceará, Cid Gomes, que, em entrevista concedida ao jornalista Otávio Cabral (Revista Veja, 20/11/2013), que lhe havia perguntado se havia obra pública sem corrupção, respondeu: “… é difícil demais, homem. O projetista se junta com a construtora para acertar sobrepreços. O concreto é superestimado, o asfalto é superestimado. É brabo, amigo. Todo mundo quer pegar dinheiro do Estado”. Samuel Wainer já tinha dito coisa pior em seu livro Minha razão de viver, publicado há 26 anos. Logo, não há perspectiva de mudança, senão de agravamento da crise social que se abate sobre o País, enquanto os projetos pessoais privados estiverem sobrepostos ao interesse público e à finalidade do Estado. Alain Greenspan já havia alertado os países ricos de que, se não cuidassem de aliviar os grotões de miséria no mundo, o conflito social será inevitável. Até a Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê e legitima a possibilidade da rebelião contra a tirania e a opressão se os direitos humanos não forem protegidos pelo estado de direito. A saída desse caos não é o assistencialismo eleitoreiro. Um País cujo governo assume essa opção não está pensando em mudança, senão pela saturação desse modelo para viabilizar o autoritarismo. Um País cujo governo viabiliza pela ocupação dos cargos públicos a receita de uma agremiação partidária cujas lideranças a usam como eficiente organização criminosa não está pensando em um futuro de paz, senão de conflitos sociais, adubo para o autoritarismo, pela via sorrateira da cubanização ou da revolta militar, ambas soluções que só interessam às ambições dos grupos que as defendem, como tem demonstrado a história. O Brasil transformou-se num paraíso de aproveitadores, que fingem não ter responsabilidade com o caos que está aí. Ninguém assume sua culpa. A mise-en-scène de sempre não produzirá nada além de notícia. Logo teremos de volta o assassinato e a decapitação de pessoas que estão sob custódia do Estado; crianças e cidadãos de bem vítimas de atrocidades nas ruas dominadas pelas organizações criminosas. Até os mais desinformados já sabem que os discursos pelo endurecimento das leis penais não resolvem nada. A pena de morte, como querem os radicais revoltados que ligam para os programas de rádio AM, poderia resolver. Acredito nessa tese, mas só se aplicada ao crime de corrupção. Tal lei, porém, jamais será aprovada, por razões óbvias.

(Carlos Nina, advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros)

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