OPERAÇÃO PÓS-APOSENTADORIA: A IMPORTÂNCIA DA PREPARAÇÃO

Aprender e depois exercer uma profissão. Essas eram as duas únicas etapas da vida há alguns anos. Hoje, mais uma etapa faz parte desse processo: a aposentadoria. Esta, caracterizada como uma recompensa. Um direito de todos os cidadãos trabalhadores, a partir de determinado tempo ou condição. A aposentadoria é tida como um descanso merecido após uma vida de dedicação e trabalho. Porém, esse processo traz consigo uma série de adversidades e expectativas causadas pelo desconforto da transição do estado de atividade ao de inatividade. Toda preparação é bem-vinda para essa transição.

A Lei 8.213 de 24 de julho de 1991 diz sobre os Planos de Benefício da Previdência Social que, entre outros fatores, e mediante contribuição, têm por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço…

[caption id="attachment_4621" align="alignnone" width="960"] Ângela e sua filha Maria Clara.[/caption]  

A escrivã de Polícia Federal aposentada Ângela tem 44 anos e participou do concurso de 1993. Após todos os procedimentos e preparação na Academia Nacional de Polícia (ANP) foi lotada na capital do seu Estado de origem: Recife. Formada em secretariado, a aposentada foi influenciada e encorajada pelo pai a fazer o concurso. “Passei por quase todas as delegacias”, afirma Ângela, sobre a experiência que a tornaria ainda mais arrojada na atividade policial e potencializaria as capacidades da escrivã. Em julho de 2016, ela se aposentou. “Acredito que a lei dos 25 anos foi feita para mim. Não achei que a aposentadoria viria tão rápido”, declara.

“EM UM AMBIENTE DE TRABALHO ONDE NÃO EXISTE CONFIANÇA,

AS PESSOAS ADOECEM”

Ao contrário do que muitos esperavam, Ângela aceitou a aposentadoria e seguiu outros rumos na vida. Para ela é uma questão de preparação, consciência e adaptação. “Tive um aprendizado enorme com a Polícia Federal. Sair de uma comunidade violenta e ir trabalhar na área da segurança pública que combate o crime e, consequentemente, a violência na sociedade é simplesmente um privilégio. Para mim, a PF foi uma oportunidade de uma preparação tanto em questões de relacionamentos, salário e estabilidade financeira quanto nos estudos, porque eu comecei o curso de Direito depois de entrar na Polícia. Eu era dedicada a ponto de acharem que não iria querer me aposentar. Claro que sinto falta dos colegas, mas também tenho consciência de que eu estava, e todos nós estamos, em um cargo temporário”, conclui a escrivã.

“A atividade policial é intensa e envolvente. Então todo cuidado é preciso para que não se passe a exercer a autoridade que essa atividade possibilita em outros pontos da vida e concentre todas as suas forças só no trabalho, porque ele é temporário. O envolvimento é muito importante, mas você que é humano, os cargos vêm e vão”, pondera Ângela, que acredita ser muito importante a preparação na pré-aposentadoria. “Sem falar que o ambiente de trabalho também influencia muito, pois em um ambiente de trabalho onde não existe confiança, as pessoas adoecem. Das experiências com os colegas, eu sei que muitos ‘não se encontram’ depois da aposentadoria porque não há preparação”, completa.

 

ESPECIALISTA

O assistente social da Polícia Federal em Pernambuco, Anderson Couto, explica sobre a importância do autoconhecimento e da individualidade desse processo de preparação. “Estudos indicam altos índices de adoecimento pós-aposentadoria que vão desde a depressão ao alcoolismo. Isso parte do fato de achar que a vida se resume ao trabalho, e não fazer nenhum projeto de vida, o que é indispensável. Pensar em dar atenção maior à família, ter outro trabalho ou ser um voluntário em ações sociais… esse projeto é muito individual e depende da realidade e resiliência de cada um”, explica Couto.

“Um outro fator que se torna interessante é que, geralmente, as mulheres sofrem menos do que os homens com esse processo de conclusão de carreira já que têm, na maioria das vezes, a dupla jornada e cuidam dos filhos e de outros afazeres”, pondera o assistente social. “Policiais que trabalham em setores ou áreas mais operacionais e ‘agitadas’ também podem sentir mais dificuldade com a alteração do estado de atividade para o de inatividade”.

Anderson também explica sobre o papel institucional em ter uma atenção maior e a visão do policial enquanto seres humanos que precisam de cuidados psicossocial e não apenas como operadores de segurança. “A preparação deve vir das duas partes tanto da pessoa quanto da instituição. Tivemos, inclusive, um curso de preparação pós-aposentadoria no último mês de agosto aqui em Pernambuco. O apoio do Sindicato dos Policiais Federais  em Pernambuco foi fundamental para a realização do curso já que com todo o apoio logístico tido, acabamos tendo um incentivo ainda maior”, destaca o profissional de saúde.

[caption id="attachment_4620" align="alignnone" width="640"] A Escrivã aposentada em um dos seus trabalhos voluntários.[/caption]  

No caso de Ângela, depois que se aposentou, ela passou a dedicar ainda mais seu tempo à sua filha Maria Clara e decidiu fazer o que mais se identifica: ajudar o próximo e insistir na ressignificação e dignificação da expressão ‘ser humano’. “Em julho me aposentei e em outubro viajei para a África, por meio da ONG Fraternidade sem Fronteiras que busca a dignificação e transformação humana. Ajudando os outros, você acaba se ajudando e percebendo a importância disso. É um processo de cura e de identidade. Momento de parar para pensar o seu papel na humanidade. Além dessa ONG, eu também apoio o Instituto Vitória Humana que executa ações e projetos para melhorar a qualidade de vida de crianças e adolescentes, no município pernambucano Vitória de Santo Antão”. Ângela está se graduando no curso de Educação Física, na Universidade Federal de Pernambuco. Decidiu fazer tal graduação já que os esportes foram a chave pela qual ela conseguiu abrir a porta das oportunidades e da educação. “Foi por meio do basquete e do vôlei que eu consegui sair”. Sair de uma dura realidade a qual foi enfrentada por ela quando ainda jovem. Hoje, Ângela aproveita da melhor forma o que é considerado: descanso merecido.

[caption id="attachment_4622" align="alignnone" width="993"] Ângela é retratada em pintura do artista Gustavo Nenão, em Moçambique.[/caption]  

EDUARDO SANTOS – ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SINPEF/PE.

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