Carregando o piano

Ao longo de um mês, conversei com o agente federal Rafael Rodrigo Pacheco Salaroli — o Pacheco — sobre uma de suas rotineiras apreensões de cocaína no meio do mato.

Com 38 anos, lotado na Delegacia de Repressão à Entorpecentes de Vitória/ES, Pacheco é formado em Ciências Sociais, com mestrado em Inteligência Policial e Políticas Públicas. Trabalha como policial há 21 anos — sendo nove desses na Polícia Federal — e foi um dos responsáveis pela operação polêmica que apreendeu quase meia tonelada de pó no helicóptero do deputado estadual Gustavo Perrella (SDD-MG), filho do senador Zezé Perrella (PDT-MG), ambos aliados do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), em novembro do ano passado.

O objetivo da entrevista era reconstruir toda a investigação que culminou no flagrante, mas acabei por ter uma aula sobre como encontrar grandes quantidades de entorpecentes e aprender muita coisa sobre a hipócrita relação entre o imediatismo irresponsável da imprensa e os órgãos policiais. Um bate-papo na copa da delegacia.

[caption id="attachment_216" align="alignnone" width="640"] Cocaína apreendida. Todas as fotos são cortesia do entrevistado.[/caption]

VICE: Como as investigações deste caso começaram? Pacheco: Nós já tínhamos uma diversidade enorme de informes; você foi policial, então sabe o que é isso, ou seja, uma informação que chega até nós, mas que ainda não se confirmou. Um informante, aquela conversa com o preso depois do depoimento, mas que não se quer registrar… É aquele dado que você não confrontou com a realidade. Pois bem, tínhamos alguns informes aqui dando conta da utilização de pequenos aviões nessa região.

Quando foi isso? Em meados de novembro [de 2013], a P2 [órgão interno das polícias militares, formado por homens à paisana e viaturas descaracterizadas, ligado à Corregedoria da instituição para fiscalizar infrações administrativas dos policiais, muito embora, às vezes, realizem trabalhos de polícia investigativa, tal qual a Polícia Civil e Federal, além de serviço de inteligência para os governos estaduais] da Polícia Militar do Espírito Santo nos perguntou se sabíamos algo de estranho envolvendo fazendas da região. Havia chegado até eles a notícia da compra de um imóvel de forma muito estranha: uma pequena propriedade, que não valeria mais do que R$ 200 mil reais, teria sido comprada por R$ 500 mil reais, à vista, na região de Brejetuba. Fomos a campo e começamos a coletar informações. E o que nos foi dito naquela comunidade? “Olha, os caras pagaram esse preço à vista, chamou muita atenção, chamou tanta atenção que até eu quis vender minha propriedade, porque o preço está muito acima do mercado”. Os caras compram essa fazenda e não a ocupam. São pessoas que não se identificavam com a atividade da agricultura. Os moradores locais nos diziam assim: “os caras são muito doidões”.

Vocês já sabiam o nome da pessoa que havia comprado a fazenda? Não. A experiência que a gente traz de outras situações é que essa transação imobiliária não poderia ter passado por uma formalidade cartorial. Fazer um contrato de compra e venda sem registro…

Um contrato de gaveta? Sim, de gaveta. Mas veja, hoje eu já tenho outra informação. Ele deu R$ 100 mil e ia dar outros R$ 400 mil em 15 dias.

[caption id="attachment_211" align="alignnone" width="640"] Detalhe da comunidade de Brejetuba, local da apreensão.[/caption]

O cara quem? O Élio Rodrigues? Como você sabe? Ah, claro. Já está na internet por conta dos advogados… Sim, o comprador foi o Élio Rodrigues.

Vocês chegaram a bater um papo com esse Élio? Ele é quente ou laranja? Cara, ele teve a oportunidade de ser bem assessorado, ele tá com advogado constituído, é um direito dele. Você tem que jogar a regra do jogo e a regra do jogo é a democracia legal que diz que ele tem o direito de se defender e constituir um advogado.

O que o Élio disse sobre a compra do sítio? Ele admite a compra, mas tudo o que ele admite não nos possibilita concluir nada em relação a ele.

Como assim? Ah, eu perguntei a ele: “Você comprou a fazenda em dinheiro?”, “Comprei”. “De onde veio o dinheiro?”. “Eu guardo em casa”. “Você esteve lá?”, “Estive”, “Você conhece algum dos presos?”, “Conheço”, “De onde você os conhece?”, “Conheço da fazenda”. O que posso fazer diante de uma afirmação dessa?

E quando o sigilo bancário dele vai cair na imprensa? Você tem uma bola de cristal aí?

Que a Polícia Federal vai pedir eu sei que vai, minha dúvida é quando isso vai cair na imprensa. A minha duvida é quando o banco vai me entregar.

[caption id="attachment_220" align="alignnone" width="640"] Helicóptero apreendido. No detalhe, compartimento usado para esconder a droga.[/caption]

O que ele faz profissionalmente? Ele é um empresário de Vitória.

E ele ostenta? Você acha que ele tem grana para dar meio milhão em dinheiro? Se a gente tivesse a convicção suficiente para segurar ele, já teríamos pedido sua prisão. Mas a mecânica do processo penal não é tão simples, nem deve ser. Você sabe, a polícia, por viver o calor do evento, tende a ser arbitrária e dura. Por isso, em certos casos, a velocidade lenta do processo penal não é ruim. Daí a diferença entre o tempo da imprensa e do tempo da polícia investigativa.

Vocês chegaram ao Élio antes ou depois da apreensão? Chegamos ao simples pré-nome Élio antes, e ao Élio qualificado (a saber: quem ele é e tal) logo depois. Um dia depois.

Como vocês descobriram que o helicóptero ia pousar naquele instante? Quando chegamos, como disse, em meados de novembro, um vaqueiro deu uma informação importante pra gente. Ele disse o seguinte: “Olha, os caras chegaram aí, compraram a fazenda, se apresentaram como donos, fizeram churrasco durante dois dias inteiros e ficaram de voltar aqui no dia 23”, que era o sábado. Então, a gente se estabeleceu nessa região por seis ou sete dias, para fazer vigilância e observar a movimentação de pessoas que não têm identidade com aquela área. Já na sexta-feira, dois dias antes da apreensão, começamos a ver a movimentação de estranhos no local.

Momento da abordagem com helicóptero da PM dando cobertura para a equipe.

Vocês já tinham notícia de que a aeronave havia pousado lá em outras vezes? Não, curioso isso. A gente costuma dizer que a imprensa gera o efeito “facho de luz”, ou seja, ela ilumina um ator que antes ninguém via. Depois que nós apreendemos esse helicóptero, já recebi 15 ligações de 15 helicópteros carregando cocaína. Quer dizer, até prender o primeiro, nunca houve. Depois que prendemos esse, tem um monte. Não tínhamos noticia de pouso anterior, mas ficou muito evidente pra gente, em razão da logística da fazenda, que, se fosse o transporte e entrega de drogas, não poderia ser feita de outra forma. Por que você compra uma fazenda e não ocupa? Por que paga em dinheiro, por que paga o dobro do preço? Por que marca um dia para voltar e não está lá exercendo atividade de agricultor diariamente? Nós temos casos repetidos de aeronaves transportando drogas em outros estados, apostamos na vigilância e apostamos bem.

Quantos policiais estavam envolvidos nessa operação? Ah… Foram poucos. Fizemos uma parceria com a Polícia Militar local, porque sem eles não saberíamos andar naquela região. Sem eles o resultado não aconteceria.

Quantos policiais ao todo? Eram seis agentes federais e seis PMs.

Em um vídeo no Youtube mostra que só dava PM no momento da abordagem. O que acontece é o seguinte: para conquistar o apoio da PM, a gente precisava colocar eles em evidência. Quem pede tem que oferecer. Nós não somos vaidosos, entende? Então, o acordo era bem simples: vocês ficam com a notícia e a gente fica com o resultado do trabalho. Pode capitalizar, pode ficar à vontade, não tem problema. Eles são de uma cidade pequena, para eles isso era um feito histórico. Os PMs que participaram também são policiais de perfil baixo, que não se apegam a isso. Então, na verdade, a operação foi atribuída quase que na totalidade à Polícia Militar, mas estávamos cientes.

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