Depois de Junho

por Marco Aurélio Nogueira

As vozes de junho não foram genéricas nem alienadas. Foram claras: queremos um Estado aberto para as pessoas, menos dependente de multinacionais, bancos e empresários.

Com a baixa – previsível, mas surpreendente pelo grau em que ocorreram – das manifestações que desde junho sacudiam o País, a política nacional voltou ao ritmo de sempre. Nada garante que continuará assim, pois o alerta emitido pelas ruas ainda está vivo e as forças que o determinaram permanecem ativas. O noticiário e as discussões, porém, revelam o retorno do que tem sido a tônica da vida política: quedas de braço entre Executivo e Legislativo, nomeações e afastamentos, bate-bocas no Supremo Tribunal Federal à sombra da revisão das penas do mensalão, denúncias de corrupção e esquemas ilícitos (cartel paulista), a via-crúcis de Marina Silva e os embates intrapartidários, motivados sobretudo pela aproximação do ano eleitoral. Vida que segue.

Não há por que estranhar o refluxo das ruas. Elas estão sempre aí, ora ativas, ora em silêncio. Não se podem mobilizar de modo permanente e só conseguem manter regularidade se estiverem acompanhadas de sujeitos políticos qualificados para criar pontes com o Estado. Os partidos, todavia, não estão em condições de ajudá-las nisso, nem são aceitos por elas. A busca de autoexpressão, que tipificou parte das manifestações, não organiza consensos nem agendas. Ao menos no curto prazo e movidas pelo clamor espontâneo, as ruas não têm como ir muito longe ou impor mudanças substantivas, que mexam na estrutura da sociedade, que é onde está a raiz dos problemas. Ainda não se entendem quanto às razões que as ativaram nem sobre os passos políticos que terão de ser dados.

Há novas convocações sendo feitas para setembro e elas poderão alterar cálculos e previsões. Mas o sistema parece ter voltado ao controle da situação.

Tem havido um pouco de tudo nas últimas semanas.

O confronto protagonizado pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, e pelo ministro Ricardo Lewandowski na retomada do julgamento de recursos dos réus do mensalão foi dessas coisas que jamais se esquecerão. Pela violência verbal, pela grosseria e pelo ambiente em que tudo ocorreu. A perplexidade e o constrangimento foram gerais. Está certo que os dois juízes tentaram dar a briga por superada, mas o episódio mostrou que não dá para santificar o STF, muito menos seus integrantes. E mostrou que também ali se faz necessária uma reforma, no mínimo, procedimental.

O caso de Marina Silva chama a atenção por ser paradoxal. Favorecida, mais que qualquer outro, pelo novo ritmo do País e pelas dificuldades dos demais postulantes à Presidência, Marina sofre para obter o registro legal de sua Rede. Situação delicada, porque se não conseguir criar seu partido terá de desistir da candidatura ou buscar asilo em alguma outra legenda, o que enfraquecerá dramaticamente sua imagem de política que flutua sobre os partidos e busca apresentar uma alternativa ao que considera ser a dimensão problemática do atual formato partidário. Se se filiar a um partido “normal”, terá de explicar muita coisa ao eleitorado e perderá força. Se desistir de tudo, jogará fora o que talvez seja sua única grande oportunidade.

De tudo o que despontou depois de junho, o mais surpreendente é a reposição ampliada da luta interna no PSDB. Ampliada, em primeiro lugar, pelas repercussões das denúncias que revelaram a existência de um cartel que operava as licitações da rede metroferroviária paulista. Em segundo lugar, pelo prolongamento pouco compreensível e nada razoável da novela da indicação do candidato tucano às presidenciais de 2014.

Quando tudo parecia caminhar para a escolha de Aécio Neves, eis que o ex-governador José Serra ressurge com sua recorrente postulação. Seus movimentos são largos: vão da pressão pela realização de prévias internas (de resto, previstas nos estatutos do PSDB) à indicação de que poderá pedir abrigo em outra legenda. Consta que teria recebido convite do PPS, que também flerta com Marina – fato que, se vier a se confirmar, apenas mostrará a improvisação e a leviandade das partes envolvidas. Agindo com os olhos fixos em seus próprios umbigos, Serra e o PPS caminhariam celeremente rumo ao fracasso conjunto, num verdadeiro abraço de afogados.

A cereja do bolo em termos de surpresa é, portanto, o PSDB. O partido não se acerta nem se entende sequer no básico. Despreza as janelas que se abrem à sua frente. Descarta trunfos como se pudesse voltar a acumulá-los assim que desejar. Não consegue reagir aos tombos que sofre. Parece dilacerado por questiúnculas associadas à luta por espaço e a personalismos pouco justificáveis. Disso também é feita a política, com certeza, mas seria de esperar que um partido que se diz vinculado à social-democracia oferecesse à sociedade e ao Estado bem mais do que esse espetáculo comezinho de protagonismos que não se compõem. Alguma ideia, algum projeto, alguma visão de futuro: seria o mínimo.

Por refugar da posição de líder das oposições e se deixar arrastar para a margem, o PSDB queima os cartuchos de que dispunha para ser competitivo em 2014. Mostra-se frágil até para disputar São Paulo, seu troféu principal.

O sistema recuperou o controle. Mas, por continuar o mesmo, permanece improdutivo e gera mais problemas que soluções, expondo-se ao risco de ser novamente desafiado pelas ruas.

As vozes de junho não foram genéricas nem alienadas. Foram claras: queremos um Estado aberto para as pessoas, menos dependente de multinacionais, bancos e empresários. Mais social e menos econômico: com serviços e políticas melhores, não somente com obsessão por crescimento e oferta de bens. Os que protestaram, no fundo, pediram mais cidadania e menos consumo, mais Estado e menos mercado.

É uma agenda básica, que converge para a reformatação do Estado e desafia a inteligência política. Se for enfrentada com as práticas de antes, não será sequer arranhada. E o mal-estar persistirá.

]]>