Para Denílson Bandeira, professor de Ciência Política da UnB, alterações no modo de gerir o processo de participação popular no Recife podem incorrer em erro Para Denílson Bandeira, professor de Ciência Política da UnB, alterações no modo de gerir o processo de participação popular no Recife podem incorrer em erro
Professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Denílson Bandeira, estuda as áreas de governo e políticas públicas com foco nas relações intergovernamentais. Para o especialista, alterações no modo de gerir o processo de participação popular no Recife podem incorrer em erro. “Há entendimentos por parte da trajetória da política que impedem a alteração desse programa”.
JORNAL DO COMMERCIO – O que representa o Orçamento Participativo em termos de participação popular no Brasil?DENÍLSON BANDEIRA – Ele é considerado, juntamente com outras políticas, junto com o Programa Saúde da Família e o antigo o Bolsa Escola, políticas sociais inovadoras, surgidas nos anos 80, 90. Um movimento dos atores locais. Todos esses modelos inovadores de educação, saúde e assistência social surgiram a partir da visão de atores locais. Não é obra do governo federal. O caso do OP suscitou muito interesse acadêmico, quando ele surgiu em Porto Alegre. Ali ele sofreu um processo de difusão, uma replicação do modelo para outros municípios. A primeira onda de expansão era explicada por um padrão partidário, ligado diretamente ao PT. Quando você estuda a segunda onda entre 1993/96 é visível que o PT começa a perder espaço, porque não tinha tanta prefeitura e outros partidos de diferentes posições começam a aderir. É um programa inovador por tratar-se da ideia de controle, participação, quando a boa decisão está muito próxima do prefeito e não tem tanto custo político administrativo em executar. JC – No caso do Recife, o que representa? BANDEIRA – No caso do Recife, de Porto Alegre e de Belo Horizonte temos exemplos de onde ele funcionou melhor. Por isso existe o custo político de se modificar um projeto tão consolidado que atravessa gestões. No Recife é muito visível a construção institucional competitiva, outro partido que assume fica impedido de desmantelar, se ele faz isso tem grande pressão social. Porque a cidade tem como característica um ativismo cívico muito maior do que em outras cidades do Brasil. Recife tem outras políticas anteriores que sempre foram palco de participação. Mas essa política ficou muito mais consolidada nas gestões do PT. A mudança no desenho institucional do programa é um caso raro. Há entendimentos por parte da trajetória da política que impedem a alteração dessa política. Dependendo de como serão essas mudanças pode gerar um grande prejuízo para o atual prefeito.
JC – A decisão de inserir o OP em outro modelo inviabiliza o programa? BANDEIRA – Certamente descaracteriza. Existe um conceito chamado ‘dependência de trajetória’, o fato de se fazer uma política no tempo gera o aprendizado dos atores sociais e da burocracia. E isso – ao contrário do que pode parecer – é positivo porque tem a manutenção das regras do jogo, as pessoas acabam se acostumando, não precisam estar mudando seu comportamento de acordo com a gestão vigente. Tem que ser uma política de estado. Mudanças são bem vindas quando incrementam. Por isso elas precisam ser muito bem analisadas, porque isso pode gerar uma certa reação das lideranças, que já estão acostumadas com determinado formato de deliberação. Me surpreende que a ideia de mudança tenha sido feita dessa forma. A decisão política pode gerar uma certa crise no modelo, porque a burocracia que entra, muda. Como vai ser a relação? Essa burocracia que chega está oferecendo um novo caminho? Está reconhecendo um aprendizado? Me surpreende que seja efetuada num momento tão inicial do governo. Pode ser prejudicial. AS mudanças precisam ser muito negociadas. Qualquer mudança. O OP no Recife é muito sensível. Fiz bastante pesquisa e, embora houvesse atraso na construção das obras, era algo muito controlado por quem participa do processo. Isso cria uma legitimidade entre o poder e a sociedade, e a mudança pode sim desconfigurar o atual modelo.
JC – Qual seria o modelo ideal de participação popular a ser implementado no País? BANDEIRA – Acho que o ideal tem que ser feito com o máximo de representação. É completamente inviável você imaginar que a presença de muita gente é o que legitima. A presença de liderança comunitária representando pessoas de seu bairros é o ideal. Mas para que essa representação seja real e fiel faz-se necessário organizar um sem fim de reuniões e plenárias menores, tem que ter uma agenda mais constante no tempo, uma plenária a cada mês, por exemplo, mas com reuniões menores com aquele grupo da microrregião. Do contrário, fica impensável. Por isso vivemos essa crise de representação. É importante ter em mente que não é a sociedade que vai fazer sozinha, precisa de um modelo de gestão de políticas públicas que dê base, alguém da prefeitura fazendo as atas, colhendo assinaturas e as deliberações. Para aumentar o grau de representação é preciso ter um política estabelecida. Um governo que queira aumentar a representação tem que dar prioridade a esse tipo de programa.
]]>