Falta de transparência reforça críticas a exportações de armas do Brasil

País é quarto maior exportador de armamento leve do mundo e, apesar de defensor dos direitos humanos, tem entre clientes Estados contestados pelo autoritarismo

Durante os recentes protestos na Turquia, uma imagem não passou despercebida. Em meio às centenas de bombas de gás lacrimogêneo utilizadas pela polícia, algumas traziam o selo “made in Brazil”. Dois anos antes, quando a Primavera Árabe chegou ao Bahrein, a bandeira brasileira também estava estampada em artefatos similares. Um deles, segundo ativistas, teria feito até vítimas – denúncia, no entanto, jamais confirmada.

Com vendas anuais superiores a meio bilhão de reais, o Brasil é hoje o quarto maior exportador de armas leves do mundo. E é, ao mesmo tempo, um dos que tratam com maior secretismo suas vendas. Não se sabe com precisão se o armamento vendido está nas mãos de países que respeitam os direitos humanos – valor tão defendido pela diplomacia brasileira – ou de regimes contestados pelo autoritarismo, como Turquia ou Bahrein.

“Essas informações são muito importantes, já que a venda triangulada acontece de forma frequente no mercado internacional de armas. Quer dizer, uma nação vende para um país que tem uma boa reputação no comércio internacional que, depois, funciona como intermediário e repassa as armas para outro que viola os direitos humanos”, diz Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), as vendas de armas leves – como fuzis, espingardas, revólveres e pistolas – subiram 36% em cinco anos, passando de 201 milhões de dólares em 2007 (440 milhões de reais) para mais de 315 milhões de dólares (700 milhões de reais) em 2012. Entre os dez maiores compradores de armas leves brasileiras estão países como EUA, Estônia, Paquistão e Emirados Árabes.

Já as vendas de bombas em geral, como gás lacrimogêneo e de fragmentação, tiveram um aumento exponencial na última meia década. Em 2007, as exportações foram de 460 mil dólares (um milhão de reais); em 2011 passaram a 5,7 milhões de dólares (12 milhões de reais) e, em 2012, atingiram 17,8 milhões de dólares (40 milhões de reais).

Apesar de divulgar o total das exportações, o Brasil não informa quais tipos de armas foram comercializadas e em que ano ocorreram as transações. Além da preocupação com os países que violam os direitos humanos, há também dúvidas se os compradores têm condições de controlar seus arsenais.

“Se não existe esse controle, as armas podem ser desviadas para grupos terroristas, criminosos e dissidentes, que vão encabeçar um processo de guerra civil. Então esse tipo de transação tem que levar em conta a capacidade de controle que esses países têm”, opina Langeani.

Procurada pela DW Brasil, a Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam) não quis se manifestar sobre o assunto.

Tratado de armas Para muitos analistas, o Tratado sobre o Comércio de Armas da ONU, assinado no início de junho pelo Brasil, pode trazer mais transparência às vendas. O tratado regulamentou, entre outros pontos, a proibição da venda de armas convencionais a países sob embargo ou onde elas possam ser usadas para crimes contra a Humanidade, crimes de guerra e terrorismo.

“Alguns países estão em condições financeiras difíceis e é bem questionável se eles deveriam estar priorizando esse tipo de aplicação de seus recursos. Ter uma maior transparência por parte do Brasil auxilia também na mobilização da população em outros países, que não sabe o que seus governantes estão comprando e de quem estão comprando”, diz Maurício Santoro, da Anistia Internacional no Brasil.

Mas para entrar em vigor, o Congresso Nacional precisa, ainda, avaliar e ratificar o tratado, o que pode acontecer neste ou no próximo semestre. “Nós propomos que o acordo seja tratado no Brasil como piso e não como teto, quer dizer, o país pode fazer mais do que isso”, sugere Langeani.

De acordo com uma análise da organização suíça Small Arms Survey, baseada nos dados de 2010 – os mais recentes – da divisão de estatísticas da ONU (UN Comtrade, em inglês), o Brasil só fica atrás de Estados Unidos, Alemanha e Itália na exportação de armas leves.

A organização ainda faz a estimativa de que as transferências internacionais anuais de armas leves movimentam ao menos 8,5 bilhões de dólares (19 bilhões de reais). Seu relatório ressalta, no entanto, que avaliações precisas são difíceis devido à “relutância” de muitos países, como o Brasil, de divulgar publicamente a sua produção legal e dados sobre exportação e importação.

Incentivos do governo O Brasil se tornou um dos maiores exportadores de armas leves do mundo por causa, em parte, de uma série de decisões políticas tomadas durante a ditatura militar. Segundo especialistas, tanto no país como no exterior, a indústria de armamentos depende da participação do Estado, seja diretamente, como acionista de empresas estatais, seja por meio de grandes encomendas.

Em 2008, por exemplo, o ex-presidente Lula lançou a Estratégia Nacional de Defesa. Entre os três principais objetivos do programa estava a reestruturação da indústria brasileira de material de defesa, que contou com isenção de impostos e uma série de ações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento de projetos.

A maior parte do mercado brasileiro de armas está nos EUA e nos países da União Europeia, mas tem havido um esforço do governo para ampliar esses mercados para África e Oriente Médio – onde há países em que as necessidades de equipamentos de defesa são mais modestas.

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