Um dos maiores estudiosos do combate à corrupção diz que grandes reformas costumam dar errado – é preciso ter paciência e pressionar os governantes a cumprir as leis
SEM MÁGICA Michael Johnston, na Universidade Colgate. “Não há reforma instantânea que acabe com a corrupção” (Foto: Andrew M. Daddio) Dez anos atrás, o cientista político e professor da Universidade Colgate, nos Estados Unidos, Michael Johnston, sistematizou os tipos de corrupção que encontrou em estudos sobre os mais variados países. Tipificar o mal, diz um dos maiores especialistas do mundo em corrupção política e no setor público, é a primeira medida para combatê-lo. Em 2005, Johnston lançou o livro Syndromes of corruption (não publicado no Brasil), em que discrimina quatro síndromes de corrupção. Johnston chegou a esses quatro tipos relacionando o contexto político e econômico das nações atingidas pela corrupção aos agentes que, predominantemente, corrompem aquele país. Segundo Johnston, nas democracias recém-nascidas, com instituições ainda frágeis, as oligarquias mais agressivas tendem a se manter no poder a qualquer preço. Os países desenvolvidos são mais sujeitos à ação de lobistas que transitam no limite entre a legalidade e o tráfico de influência. Onde a democracia está se consolidando é mais comum que a elite no centro de comando se una para lá permanecer. Por fim, países com um nível muito baixo de democracia reforçam a figura do burocrata que cobra propinas de quem precisa do governo. Embora seja mais comum que cada nação padeça predominantemente de uma síndrome, Johnston afirma que é possível que o Brasil esteja contaminado pelas quatro ao mesmo tempo – como sempre, o Brasil tem sua jabuticaba. Mesmo diante de um diagnóstico tão duro, Johnston ressalta que nenhum país está condenado a ter altos níveis de corrupção para sempre. O remédio? “Uma democratização profunda, uma força política que pressione os políticos a governar melhor”, diz Johnston.
ÉPOCA – O Brasil está diante de um enorme escândalo de corrupção, que envolve grandes empresas privadas, diretores de uma estatal e políticos. É possível apontar um culpado pela corrupção no país? Michael Johnston – Uma coisa que me impressiona em casos como o do Brasil é que as boas notícias vêm disfarçadas de más notícias. Há episódios e conexões sendo revelados hoje no Brasil que talvez não o fossem 20 anos atrás. A imprensa está livre para contar essas histórias. E ter noção do tamanho do problema é um passo importante para fazer algo a respeito.
ÉPOCA – Como tipificou as síndromes de corrupção? Johnston – Desenvolvi uma teoria sobre as quatro síndromes de corrupção, com base em estudos em diferentes países. A primeira delas chamei de “mercados de influência”. É um tipo de corrupção mais vista em democracias liberais, em que as instituições são sólidas, mas agentes privados tentam comprar algum tipo de influência em instituições públicas. Eu chamo a segunda síndrome de “cartéis de elite”. Imagine uma elite econômica e política num país que não era democrático e se democratiza. Essa elite vai tentar se manter no poder diante dos novos desafios políticos e econômicos. Para isso, vai usar atos de corrupção. A terceira síndrome é a de “oligarquias e clãs”. Ela acontece em países com instituições frágeis, que passaram por uma liberalização muito rápida tanto na frente política quanto na econômica. Um pequeno número de oligarcas e seus seguidores pegam para si tudo o que podem e, frequentemente, recorrem à violência nesse processo. Foi o caso da Rússia nos anos 1990.
ÉPOCA – Em que síndrome o Brasil se enquadra? Johnston – No Brasil, por muito tempo, prevaleceu a corrupção dos “magnatas oficiais”, que seria a quarta síndrome. As instituições públicas não são tão fortes, e o sistema não tem oportunidades muito democráticas na economia. Esses agentes públicos usam, então, sua posição para enriquecer. Parece-me que o Brasil está deixando essa modalidade. Apesar de conseguir evitar os piores excessos das “oligarquias e clãs”, há uma espetacular ascensão dos “cartéis de elite”.
ÉPOCA – O Brasil parece ter as quatro síndromes. Johnston – O país é enorme e talvez tenha mesmo as quatro síndromes, cada uma em um setor diferente ou em regiões diferentes. Nos negócios entre o governo e a indústria petrolífera, parece haver mais uma situação dos “magnatas oficiais”. Na questão de financiamento de campanha, o contexto é de “mercados de influência”. Então, as diferentes síndromes são encontradas em diferentes níveis e setores.
ÉPOCA – A corrupção é uma questão cultural? Johnston – Não. Se tivéssemos um ranking de corrupção no século XVIII, o país mais mal colocado seria a Inglaterra. No século seguinte, a Inglaterra e os Estados Unidos seriam os mais corruptos. Então, é possível mudar, sim. É um processo que não envolve apenas tentar controlar a corrupção, mas uma democratização profunda da sociedade, que permita que as pessoas se defendam com mais eficiência por meio da política e não da violência. Isso passa por fortalecer as instituições, abrir o processo político, trazer atores variados para a discussão. Muito raramente essas coisas acontecem de maneira equilibrada e uniforme. Nem sempre o processo acontece a partir de esforços anticorrupção isoladamente. Ao contrário, os esforços anticorrupção refletem esse processo de democratização mais profunda.
“Uma reforma ambiciosa demais pode ser pior do que não fazer reforma alguma” ÉPOCA – Isso quer dizer que as leis anticorrupção podem não ser a resposta? Johnston – O Brasil tem um dos melhores conjuntos de leis contra a corrupção. Mas como elas são aplicadas? Onde está a força política por trás delas? Essa é a mudança necessária. Algumas pessoas confundem força política com vontade política. Força política é quando a sociedade exige como um todo, não depende da vontade de um agente político. Quando a sociedade diz “pare de tomar minhas terras” ou “pare de usurpar minha família com impostos abusivos” e “mantenha os serviços públicos funcionando”, esse tipo de exigência soa mundana. Mas ela põe pressão nos políticos e os força a governar melhor.
ÉPOCA – Os protestos nas ruas no Brasil põem esse tipo de pressão? Johnston – Esse movimento deve apresentar algum resultado. É difícil prever qual, a bem da verdade. Mas suponhamos que um grupo de cidadãos faça esse tipo de exigência num Estado específico, e o fornecimento de eletricidade e água daquele Estado melhore. Se um governante conseguir apresentar esse tipo de resultado, pode fazer uma grande diferença. O fato de que a última eleição presidencial no Brasil ter sido tão apertada pode ser positivo, porque a presidente Dilma Rousseff não poderá apenas se arrastar durante seu segundo mandato.
ÉPOCA – Punir exemplarmente as empresas envolvidas em corrupção pode ser uma saída? Johnston – As punições têm de ter credibilidade e ser eficientes. É melhor fazer pouco, mas fazer direito, do que aprovar uma lei ambiciosa e falhar em colocá-la em prática. Uma reforma mal elaborada ou mal aplicada pode ser pior do que não fazer reforma alguma, porque isso pode ensinar as pessoas a encontrar brechas no sistema. Não digo que o Brasil não deva aprovar novas leis e rever algumas das já existentes. Se a presidente aprovar cinco novas leis, mas não construir a força política por trás delas, essas medidas não serão eficazes.
ÉPOCA – É correto dizer que países desenvolvidos têm menos corrupção? Johnston – Não necessariamente. Países mais desenvolvidos sofrem bem mais com a síndrome do “mercado de influência”. Nos Estados Unidos, a corrupção não é tão óbvia porque nós eliminamos algumas das barreiras que os corruptores precisavam pagar para ultrapassar: nós liberalizamos a economia, o sistema de financiamento político etc. Então, se você é rico e ambicioso, não precisa subornar ninguém, não precisa arrombar a porta de trás, pode entrar pela porta da frente de cabeça erguida. A corrupção nos Estados Unidos se dissipa, porque os atores transitam num limite legal.
ÉPOCA – O tamanho do Estado pode determinar se um país é menos ou mais corrupto? Johnston – Com certeza, especialmente na relação do tamanho do Estado com o tamanho da economia do país. Há formas de sobreviver sem ter de lidar com os burocratas do governo? Se não há, os riscos de enfrentar algum tipo de suborno aumentam. Há também o caso da Argentina. Eles privatizaram radicalmente e a corrupção aumentou, porque os mais fortes ainda eram parte da elite econômica do país. Depois, reestatizaram tudo e a corrupção aumentou de novo. Então, não há mágica, não é só diminuir o tamanho do Estado. Mas ele importa, sim. Tanto quanto quem controla o Estado e quem responde por ele.
ÉPOCA – Como sair desse ciclo de corrupção? Johnston – Trazendo mais vozes políticas para a mesa de negociação. É um processo longo, lento, não há reforma instantânea. Quanto maior a aliança que se forme, mais difícil para os antigos centros de poder ditarem o que eles querem. Mas é preciso ter em mente que mudanças exigem rupturas. Reforma nada mais é que colocar o sistema sob estresse.
Fonte: Época
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