MP sofre revés dos detentores do poder”, diz Gahyva

Entrevista Presidente afirma que AMMP defende os interesses da população Por: LUCAS RODRIGUES

O mandato de três anos do promotor de Justiça Vinícius Gahyva à frente da Associação Mato-grossense do Ministério Público (AMMP) se encerra nesta semana, no dia 31.

Tendo presidido a associação em um momento histórico para o Ministério Público em nível nacional, com a campanha e posterior derrubada da PEC 37, proposta que pretendia impedir o órgão de realizar investigações criminais, Gahyva assegura que a luta para manter as atribuições constitucionais da entidade é uma “realidade cotidiana” que não deve cessar.

“A partir do momento em que, com a promulgação da Constituinte em 1988, passa a ter uma ação voltada contra os desmandos praticados por aqueles que não eram atingidos por uma ação efetiva de nenhum órgão, o Ministério Público sofre o revés da reação dos detentores do poder”, disse o promotor, que também exerce o cargo de secretário-geral da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).

Estas constantes tentativas de limitar a atuação do Ministério Público, segundo Gahyva, é uma “realidade cotidiana que nós vivenciaremos a todo tempo”. No entanto, ele reitera que hoje sente uma maior consciência por parte dos parlamentares e da sociedade em geral sobre as funções do Ministério Público, especialmente as de caráter investigativo.

“O que nós vimos é que, se o Ministério Público foi alçado à condição de defensor do povo na Constituinte de 1988, em 2013 foi o povo que foi às ruas defender o Ministério Público”, garante ele, ao relembras as manifestações populares de junho do ano passado, que tiveram como uma das pautas a derrubada da PEC 37.

Gahyva faz um balanço positivo de sua gestão na AMMP e assegura que a atual diretoria “conseguiu ampliações em todos os aspectos”.

“Hoje o Ministério Público vive outra realidade, tendo em vista que essa administração se preocupou em criar mecanismos de sustentabilidade financeira, política e social dentro da AMMP e conseguiu a reestruturação física de toda a nossa sede social-administrativa”, revelou.

Na entrevista da semana do MidiaJur, o promotor Vinícius Gahyva também elenca as melhorias e benefícios conseguidos em sua gestão, as articulações da luta contra a PEC 37, as reivindicações da classe e demais projetos da instituição.

MidiaJur – Dr. Vinícius, qual o seu balanço desses três anos à frente da AMMP, tendo em vista o momento histórico pelo qual passou o Ministério Público com a derrubada da PEC 37?

Vinícius Gahyva – A atual diretoria foi uma diretoria de consenso da classe do Ministério Público. Ela procurou envolver todos os colegas, promotores, procuradores, procurando integrar todos, sem bandeiras partidárias, respeitando as diferenças ideológicas, procurando fazer uma administração para todos. O promotor é o advogado da sociedade, e é importante que tenhamos esse constante canal de comunicação, diálogo e sintonia com todos os atores da dinâmica social para sabermos onde atuar e como fazer melhor o nosso trabalho.

MidiaJur – Em questões de estrutura houve mudanças significativas?

Vinícius Gahyva – No aspecto estrutural, hoje o Ministério Público vive outra realidade, tendo em vista que essa administração se preocupou em criar mecanismos de sustentabilidade financeira, política e social dentro da AMMP e conseguiu a reestruturação física de toda a nossa sede social-administrativa, ampliações em todos os aspectos, crescimento de receitas eventuais, através de projetos destinados a angariar essa sustentabilidade para fazer frente aos desafios da associação.

MidiaJur – No último ano, o Ministério Público teve que fazer uma intensa campanha e articulação política contra a PEC 37, que limitava o poder de investigação do órgão. Como foi a atuação da entidade nesse caso?

Vinícius Gahyva – Foi um trabalho intenso junto a classe política e junto a sociedade, imprensa, no sentido de conscientizar o povo, a população, especialmente a classe política das questões que seriam afetadas com a PEC 37. Acho que a sociedade compreendeu a mensagem advinda da AMMP e das entidades de classe de modo geral, como algo que diz respeito à cidadania e ao combate à impunidade. Fizemos um trabalho muito forte no Congresso Nacional em relação às proposições que tratavam do Ministério Público, tendo em vista que fui eleito secretário-geral da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público). Tivemos uma atuação muito intensa em Brasília e aqui em Mato Grosso também, no sentido de levar, através dos canais de comunicação disponíveis, a mensagem do que se esperar de um Ministério Público, ou seja, um Ministério Público forte, coeso, que tem o dever de prestar a sociedade o serviço que ela espera, dada a sua incumbência constitucional.

MidiaJur – Que benefícios e melhorias a AMMP pôde promover à classe nesse período?

Vinícius Gahyva – Essa gestão elaborou um plano de ação sob suas dimensões. Uma externa, sobre a representatividade e representação política da nossa entidade de classe, perante todos os órgãos públicos e privados. Também uma aproximação da AMMP com a sociedade civil, de modo geral, seja com a participação de fóruns de interlocução estabelecidos tanto na Capital quanto no interior. Com a imprensa, levamos seminários juntamente com a Ordem dos Advogados do Brasil, em 2012. Participamos de um projeto de interiorização e integração da AMMP, em que levamos a vários municípios do interior do Estado a proposta republicana, que é um conjunto de medidas e providências legislativas hábeis a colocar os entes públicos em um patamar satisfatório em termos legislativos, de rigidez administrativa, de eficiência e resultados.

MidiaJur – Do que se trata a Proposta Republicana?

Vinícius Gahyva – É um programa de metas e resultados para as gestões públicas, de modo geral. Essa proposta se vincula a um plano de metas e resultados das propostas de campanha para evitar que os candidatos, seja em que instituição pública for, não façam proposições já sabendo que não serão cumpridas. Esse projeto vincula a edição de um documento formal, por exemplo, o prefeito envia à Câmara Municipal essas metas e resultados e esse projeto é revisado pelo parlamento para verificar se está adequada com as promessas de campanha. Essa proposta também trata de transparência, de divulgação de resultados, de divulgar todas as contas públicas à sociedade, disponibilizar e-mails eletrônicos. A proposta também estende o conceito de nepotismo aos cargos em comissão e exige ficha limpa nesses cargos. MidiaJur – No caso, os cargos de indicação política…

Vinícius Gahyva – Hoje o indivíduo é proibido de se candidatar a um cargo público, a um mandato eletivo, no entanto pode ser contemplado com uma pasta de gestão administrativa em que ele vai movimentar vultosas quantias de dinheiro público. Não se pode admitir uma coisa dessas. O cara é um ficha-suja, no entanto é secretário de Estado, por exemplo, ou um secretário municipal.

MidiaJur – Essa proposta tem sido aderida pelos órgãos públicos?

Vinícius Gahyva – Ela tramita em vários legislativos municipais. Tangará da Serra foi o primeiro município a aderir à proposta e incluí-la na Lei Orgânica daquela cidade.

MidiaJur – E em nível estadual há possibilidade ser aplicada essa proposta?

Vinícius Gahyva – Há propostas com esses requisitos já tramitando no Congresso Nacional, e essas providências legislativas atendem a qualquer tipo de ente público de qualquer instância, seja no município, no Estado ou na União.

MidiaJur – Quanto às reivindicações da classe, o que chegou até o senhor nesses três anos de gestão e o que pôde ser feito?

Vinícius Gahyva – Foram muitas reivindicações sobre o aspecto estrutural, de desenvolvimento corporativo, de atuação de membros do Ministério Público, demandas que foram encaminhadas de estruturação física do Ministério Público, de redimensionamento da desta estrutura, especialmente para os promotores do interior, reivindicações sobre o aspecto remuneratório… Mas a maioria delas foi contemplada pela administração superior. A associação procurou cumprir um papel constante de interlocução com os promotores de Justiça, com a administração superior, corregedoria, colégio de procuradores, com os nossos associados. Estivemos em todos os polos do Estado de Mato Grosso.

MidiaJur – E o que ainda falta para o Ministério Público poder atuar com ainda mais efetividade na defesa dos interesses da população?

Vinícius Gahyva – As demandas sociais encaminhadas ao Ministério Público são infindáveis. É evidente que o Ministério Público, sozinho, ele não dá conta de todas as demandas, por questão de estrutura, orçamento. Nem o Legislativo, nem o Executivo e nem o Judiciário. Mas o importante é que haja uma articulação, que esse trabalho seja feito em parceria. Não estamos mais no tempo do chamado Leviatã, em que o Estado e a sociedade tinham posturas antagônicas. Hoje, sociedade e Estado devem andar de braços dados. O promotor não pode se enclausurar em seu gabinete apenas tocando processos, precisa ter um diálogo, um contato com seu cliente, que é a população, a destinatária desses serviços.

MidiaJur – Após a derrubada da PEC 37, o senhor já sentiu efeitos positivos na atuação do Ministério Público e no representatividade da instituição perante a sociedade?

Vinícius Gahyva – Eu notei que o Congresso Nacional, os deputados e senadores perceberam a vontade do povo brasileiro de manter íntegra as atribuições e prorrogativas do Ministério Público em âmbito estadual e nacional. Esses movimentos sociais que elencaram a PEC 37 como uma das pautas principais em todo o Brasil mostraram ao Congresso Nacional e à comunidade internacional que o povo brasileiro quer um Ministério Público forte, atuante, que tenha mecanismos para poder cumprir seu papel constitucional de defesa da sociedade. O que nós vimos é que se o Ministério Público foi alçado à condição de defensor do povo na Constituinte de 1988, em 2013 foi o povo que foi às ruas defender o Ministério Público.

MidiaJur- O senhor teme que possam surgir novas tentativas de limitar a atuação do Ministério Público?

Vinícius Gahyva – Essa é uma realidade cotidiana que nós vivenciaremos a todo tempo. O Ministério Público, quando assumiu suas responsabilidades constitucionais, passou a incomodar determinados setores sociais e incomodar o poder político, muitas vezes o poder econômico, porque ele passou a manejar esses instrumentos de forma a democratizar todos os setores públicos e privados. A partir do momento em que o Ministério Público passa a ter uma ação voltada contra os desmandos praticados por aqueles que não eram atingidos por uma ação efetiva , acaba sofrendo o revés da reação dos detentores do poder.

MidiaJur – A resolução 23.386/2013, editada pelo Tribunal Superior Eleitoral, que determina o pedido prévio de autorização judicial para investigar crimes eleitorais seria um exemplo disso?

Vinícius Gahyva – O ministro Dias Toffoli editou uma norma que impede o Ministério Público de realizar um procedimento expresso na Constituição, que é a função de requisitar a instauração de inquéritos policiais em crimes eleitorais. A articulação contra essa norma está sendo feita, a AMMP, a Conamp e as outras classes representativas já se manifestaram publicamente. Se a situação hoje talvez não esteja caminhando bem, sem Ministério Público com certeza ela vai de mal a pior.

MidiaJur – A partir deste mês o valor do auxílio-alimentação pago aos promotores e procuradores, que era de R$ 1.110, passou a R$ 1.200 e isso gerou certa polêmica sobre a necessidade dos ocupantes destes cargos receberem tal benefício. Como o senhor vê esta questão?

Vinícius Gahyva – A associação havia reivindicado um reajuste do pagamento do auxílio-alimentação. Esse auxílio é pago não só aos membros do Ministério Público, mas também a todos os servidores da instituição. De um modo geral, todas as carreiras de órgãos do Estado têm essa percepção, pois tem vinculação direta com a atividade laboral do agente público.

MidiaJur – Como o senhor recebe o nome do Miguel Slherassenko para comandar a instituição a partir de fevereiro?

Vinícius Gahyva – É um colega valoroso, inclusive é da minha turma de concurso do Ministério Público, e esperamos que cada colega, a seu modo, dê sua parcela de contribuição na construção da nossa entidade de classe. E que possa, de forma efetiva, dar cabo a todas as finalidades estatutárias da AMMP.

MidiaJur – Com o encerramento do seu mandato no final deste mês, o senhor tem pretensões de disputar futuramente o cargo de procurador-geral de Justiça?

Vinícius Gahyva – Eu prefiro concluir um ciclo para iniciar outro. A princípio, o que eu quero é terminar o meu trabalho, terminar minha missão como presidente da associação, terminar minha missão como secretário geral da Conamp, o que ocorrerá somente em março, e depois definir isso. A minha perspectiva agora é voltar para minha 13ª Promotoria de Justiça Criminal, onde atuo.

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