Cursos noturnos criados para suprir deficiências em infraestrutura, carga horária reduzida, currículos descentralizados e defasados e professores despreparados. Esses são alguns dos problemas que ainda comprometem a educação brasileira, segundo o sociólogo Simon Schwartzman.
Em entrevista ao Instituto Millenium, Schwartzman analisa o cenário da educação no país e aponta soluções para revertê-lo. O sociólogo defende medidas como a definição de critérios claros para a aplicação de recursos e a reforma do conteúdo, especialmente do ensino médio.
Leia a entrevista.
Instituto Millenium: O Brasil precisa de um novo modelo de educação? Em caso afirmativo, quais são os principais desafios do formato atual?
Simon Schwartzman: Uma série de mudanças deve ser efetuada, dependendo do nível de educação. Existem alguns problemas gerais que tem a ver com toda a formação de professores, a administração e o funcionamento das redes escolares e o currículo. Cada um desses problemas se desdobra em uma série de outros, e demanda soluções distintas.
Imil: O aumento dos investimentos é a única solução para os problemas do ensino brasileiro?
Schwartzman: Sempre existe o risco de não se usar bem os investimentos. Por esse motivo, deveria haver critérios muito claros para a utilização dos recursos. Isso não significa que não faltem recursos, temos alguns problemas sérios de subfinanciamento da educação pública. Cerca de um terço dos estudantes assiste a aulas no turno da noite por falta de equipamentos, edifícios e professores para ensinar durante o dia.
Temos alguns problemas sérios de subfinanciamento da educação pública
No Brasil, para a maioria dos estudantes, os turnos têm duração de três a quatro horas, quando, no mundo inteiro, os turnos completos são de seis horas. O aumento do turno e a eliminação do ensino noturno demanda um investimento muito grande, em professores, equipamentos e prédios.
Há ainda o problema de recrutamento de professores. Essa carreira ainda é uma das menos atrativas do país. Não se consegue contratar pessoas mais motivadas devido à falta de atrativos econômicos oferecidos aos profissionais da área. A questão do salário dos professores também é muito importante.
Logo, o argumento de que não precisamos de mais dinheiro não é correto. Por outro lado, certamente esse dinheiro não é tão bem aplicado como deveria.
Imil: Em relação à reforma do ensino nacional, é necessário que abranja todos os níveis da educação ou há áreas prioritárias?
Schwartzman: Nesse momento, o foco está no ensino médio. O ensino fundamental teve algum progresso, e há menos controvérsias sobre o conteúdo ensinado, embora ainda não tenhamos um currículo nacional consolidado. O ensino superior funciona relativamente bem. O grande gargalo está no ensino médio. Há um índice de evasão escolar alto, o conteúdo é inadequado e não qualifica as pessoas para o nível seguinte. Isso impede o fluxo de pessoas da educação básica para a educação superior.
É importante que o currículo nacional seja unificado, pelo menos para as disciplinas fundamentais
Imil: Ainda sobre o modelo de educação brasileiro, é necessário que seja único para todo o país ou seria importante respeitar as diferenças regionais?
Schwartzman: É muito difícil implementar um projeto único em um país como o Brasil, com diferenças regionais tão fortes. A educação brasileira é descentralizada, sendo uma responsabilidade dos estados e dos municípios. O governo federal não tem muita capacidade para comandar o sistema educacional. O que faz é criar padrões e referências de qualidade. No entanto, é importante que o currículo nacional seja unificado, pelo menos para as disciplinas fundamentais. Hoje, temos diretrizes curriculares muito genéricas.
Imil: O senhor considera que estudantes com condições de arcar com os estudos devem pagar pelo ensino superior, ainda que público? Quais mudanças poderiam ocorrer com essa medida?
Schwartzman: O Brasil é um dos poucos países em que não se cobra pelo ensino superior. Isso é um problema de justiça social porque esses estudantes estão sendo financiados com recursos públicos, quando muitos não necessitam disso. Então, acredito que faz todo o sentido introduzir a cobrança.
É claro que toda política de cobrança deve que ser acompanhada de políticas de equidade e de acesso às pessoas que não têm recursos financeiros. Há, por exemplo, o sistema de créditos educativos e de bolsas baseadas em mérito. As pessoas precisam decidir se querem fazer o curso, porque há muito desperdício com estudantes que se matriculam, não frequentam as aulas e repetem. Como o custo é “zero”, cria-se esse tipo de situação. Agora, não podemos ter a ilusão de que apenas a cobrança resolverá o problema financeiro da educação no país.
]]>