Não reclamei do meu salário. Reclamei da estupidez de quem acha que todos os deputados e deputadas ganham muito para trabalhar pouco
Antes de mais nada, vamos esclarecer uma coisa. Eu não disse que os deputados “ganham pouco”, nem que o salário de um deputado seja igual ao de um professor, como estão dizendo por aí. Também não disse que a Bíblia é “uma palhaçada” e que os cristãos são “doentes”, e nem defendi a pedofilia — um crime horrível, que combato como integrante da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Tudo isso é mentira. Por isso, eu peço a você: quando achar no Facebook ou no Twitter uma mensagem que diz que “o deputado Jean Wyllys disse que…”, seguida de alguma barbaridade, não repasse sem checar a informação. Já inventaram até entrevista falsa à CBN, que a própria emissora de rádio desmentiu. O fato de eu combater a máfia fundamentalista e corrupta que quer fazer do Brasil uma teocracia à moda do Irã faz com que eu seja alvo de campanhas difamatórias por meio das redes sociais.
Eles (ou elas), responsáveis por essas campanhas, não aguentam que um gay assumido e orgulhoso ocupe o espaço de representação que eu ocupo na Câmara dos Deputados — e morrem de ódio quando os jornalistas me escolhem, pela terceira vez, como um dos dois melhores deputados do país.
Mas o objetivo deste texto não é falar das campanhas difamatórias dos criminosos de “mala cheia”. Comecei por aí para falar com você sobre um assunto que há muito tempo eu quero tocar: o salário dos parlamentares. Consultado pelo apresentador Marcelo Tas, a partir da pergunta de um internauta que acompanhava a entrevista, sobre se o salário de um deputado era excessivo, eu respondi que não, que não acho que seja. E não acho mesmo, sou sincero, não gosto de hipocrisia: dizer o que não penso para agradar o outro. Também expliquei ao Marcelo que, no meu caso, feitos todos os descontos, o que eu recebo é QUASE o que eu recebia como professor universitário, com 40 horas-aula, dedicação exclusiva e coordenador de um grupo de pesquisa numa universidade particular. Eu nunca disse que fosse pouco nem que todos os parlamentares recebessem o mesmo que um professor. Apenas falei do MEU CASO.
Mas eu não tenho nada a esconder. Você quer saber quanto eu recebo?
Meu salário bruto como deputado federal é de 26.723,13 reais, mas tem descontos. Na folha, são descontados 2.939,54 reais da seguridade social, 5.702,61 reais de imposto de renda, 235 reais do clube do Congresso, 781,64 do plano de saúde da Câmara (que inclui o plano da minha mãe, como dependente). Além disso, eu pago cada mês 3.000 reais de contribuição partidária ao diretório nacional do PSOL e 2.000 reais ao diretório estadual do Rio de Janeiro.
Sim, o PSOL é um partido pobre e honesto, que não recebe dinheiro da corrupção nem arranca do bolso dos fieis de alguma igreja caça-níquel, nem aceita contribuição de campanha de empreiteiras, empresas de transporte, bancos ou multinacionais. Somos um partido sem grana, mas com princípios, e isso permite que eu possa, como deputado, combater o fundamentalismo, denunciar a corrupção e defender os interesses do povo, porque não devo favores a ninguém.
Eu posso votar ‘não’ ao Código Florestal porque nenhum fazendeiro pagou minha campanha. Posso denunciar os leilões do petróleo e falar de energia sustentável porque não recebo um tostão das corporações do petróleo. Posso defender o passe livre porque não recebi dinheiro de empresários do transporte.
Feitos os descontos da seguridade social, imposto de renda, plano de saúde, contribuição partidária, etc.,o que entra no meu bolso cada mês é menos do que eu receberia hoje, com a minha qualificação, se trabalhasse no setor privado. Apesar disto, ainda é um bom salário, não nego (se comparado ao salário mínimo, claro, mas não se comparado a de um executivo do setor transporte ou ao de alguns dos servidores do próprio Congresso ou ao de um apresentador de tevê), mas um salário que QUASE corresponde ao mesmo que eu ganhava quando professor 40 horas e com dedicação exclusiva do ensino superior privado, só que com MUITO MAIS TRABALHO E RESPONSABILIDADES que quando eu era só professor.
Durmo uma média de 4 horas por dia para dar conta do volume de trabalho. Além da análise e escrita de pareceres de projetos que tramitam nas comissões das quais faço parte – Comissão de Educação e Comissão de Cultura – há os projetos que estão em plenário. Somado a isso, coordeno duas frentes parlamentares (a Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT e a Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento à DST/HIV/Aids), sou um dos coordenadores colegiados da Frente Parlamentar pelos Direitos Humanos e sou membro assíduo da FrenteCom (pelo direito à comunicação e à liberdade de expressão). Sou vice-presidente da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; da Comissão Especial do Ensino Médio e coordeno a subcomissão de Cultura e Direitos Humanos.
Acham que para por aí?
Não! Viajo todas as semanas para diferentes lugares do Brasil para atender aos pedidos da sociedade civil organizada de palestras, debates e conferências; e estas exigem, de mim, além do deslocamento e da ação, o preparo das mesmas. Ideias não caem do céu! Exigem leitura rigorosa! Não cobro por nenhuma dessas atividades fora da Câmara porque as considero parte de meu trabalho como parlamentar. Mas atender a essas demandas exige tempo e estrutura, e esta é garantida pela verba parlamentar. Não bastasse este trabalho, sou colunista da CartaCapital e do iGay, colaborações pelas quais não recebo um centavo, e atendo aos pedidos da imprensa, por considerar a comunicação parte de minhas atividades. E, como cereja do bolo, ainda sou obrigado a tolerar toda sorte de insultos e ameaças de morte por defender o tema dos direitos humanos de LGBTs.
Muitos e muitas vão me perguntar: se é tão difícil, por que você não largo tudo? Ora, pela causa: É uma questão de dignidade, é uma questão de vida
Em momento algum disse que um professor ganhava o justo; apenas disse que, embora tenha aumentado bastante meu volume de trabalho em relação ao que eu tinha quando professor 40 horas e dedicado exclusivamente a tal tarefa, meu salário pouco aumentou. Não reclamei do salário. Reclamei da estupidez de quem acha que TODOS os deputados e deputadas ganham muito para trabalhar pouco (pode até haver, mas não é meu caso; e eu só falei de mim). O resto é deturpação para fins de difamação.
Existe a verba parlamentar e a cota para salários de funcionários e algumas pessoas, por ignorância ou má fé, somam esse dinheiro ao salário e dizem que os deputados recebem dezenas de milhares de reais por mês. Mentira.
Eu sempre vivi do que eu recebo pelo meu trabalho, seja como jornalista do Correio da Bahia e de G Magazine, roteirista da Globo, professor universitário ou deputado federal. E, quando não for mais deputado, continuarei trabalhando, como sempre fiz — como faço, porque ser deputado também é um trabalho. E é muito trabalho.
Desconfie dos políticos que dizem que um parlamentar deveria receber um salário mínimo e não ter verba parlamentar. Eles estão mentindo para você. Eu prefiro ser politicamente incorreto, mas dizer a verdade. O que precisamos é aumentar o salário mínimo (como o PSOL defende) e não reduzir o salário dos parlamentares. Com baixos salários e sem recursos para montar uma equipe de trabalho que possa dar conta da responsabilidade que significa um mandato parlamentar, só os ricos e os corruptos iriam se candidatar. Afinal, eles têm o caixa-dois.
Hoje, felizmente, ainda há muitos deputados e deputadas que vivem do salário e usam a verba parlamentar com transparência. Parlamentares como eu, que trabalhamos pelo povo. Não somos tantos como é preciso, nem tão poucos como você pensa.
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