Televisão-lixão e abstenção eleitoral: de quem é a culpa?

Por Claudio Tognolli | Claudio Tognolli – A porcentagem de abstenções nas eleições de 2010 aumentou em 1,37% em comparação com as eleições de 2006.

Em 2010, 18,12% dos eleitores não votaram, o que dá 24,6 milhões de votos não validados contra 111,1 milhões computados. Em 2002, a abstenção foi de 17,74% e em 2006 de 16,75%.

A porcentagem de votos em branco também cresceu em comparação com as eleições de 2006. Foram 3,13% neste ano (3,4 milhões), contra 2,73% em 2006 e 3,03% em 2002. Já os votos nulos vem caindo nas últimas três eleições: 7,35% em 2002, 5,68% em 2006 e 5,51% neste ano (6,1 milhões).

A quantidade de brasileiros que não apareceu para votar nas últimas eleições presidenciais chegou a 29,1 milhões, ou 21,50% dos eleitores, índice só menor do que o registrado em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) venceu Lula.

Agora outro fenômeno…

Tanto no Facebook como no Twitter a Copa 2014 é o evento mais comentado da história. Na TV aberta brasileira, a audiência cresceu 29% entre a Copa de 2010 e esta. Na TV paga, a audiência média por jogo triplicou.

O Facebook registrou 1 bilhão de interações entre usuários desde o início da Copa do Mundo. É a primeira vez que essa marca é atingida ( o que incluiu publicações de usuários, curtidas e comentários).

No Brasil, o país com mais atividade na rede durante o jogo, 11 milhões de pessoas interagiram 30 milhões de vezes no Facebook.

Comparemos esse dois eventos: nas últimas eleições 21,50% dos eleitores (29,1 milhões) não foram votar.

Mas este ano a Copa do Mundo bateu recordes inacreditáveis. Vamos tabular os dados constantes da página da Fifa, www.fifa./com:

Brasil x Croácia 42,9 milhões de telespectadores assistiram à TV Globo no Brasil, a maior transmissão esportiva de 2014.1,5 milhão de telespectadores assistiram à HTV2 na Croácia, maior audiência televisiva em 2014.

Espanha x Holanda 7,2 milhões de telespectadores assistiram à Ned1 na Holanda, maior audiência televisiva desde 2012.9,3 milhões de telespectadores assistiram à BBC1 no Reino Unido, melhor desempenho do horário nobre de sexta-feira à noite em 2014.

Chile x Austrália 2,3 milhões de telespectadores assistiram à SBS na Austrália, terceira maior audiência esportiva da televisão em 2014, mais do que a final do Aberto de Tênis da Austrália.

Costa do Marfim x Japão 34,1 milhões de telespectadores assistiram à NHK às 10h da manhã, o dobro da segunda maior audiência esportiva no ano de 2014.

Inglaterra x Itália 14,2 milhões de telespectadores assistiram à BBC1 no Reino Unido, a maior audiência televisiva do ano.12,8 milhões de telespectadores assistiram à RAI 1, maior audiência televisiva do ano.

Suíça x Equador 2 milhões de telespectadores assistiram aos canais SRG na Suíça, maior audiência esportiva de 2014.

França x Honduras 15,8 milhões de telespectadores assistiram à TF1 na França, maior audiência esportiva de 2014.

Argentina x Bósnia e Herzegovina 6,9 milhões de telespectadores assistiram ao Canal 7 na Argentina, maior audiência esportiva de 2014.

Alemanha x Portugal 26,4 milhões de telespectadores assistiram à ARD na Alemanha, número 85% superior à segunda maior audiência esportiva de 2014.

Gana x Estados Unidos 11,1 milhões de telespectadores assistiram à ESPN nos Estados Unidos, recorde da emissora em uma partida da Copa do Mundo da FIFA.4,8 milhões de telespectadores assistiram à cobertura da Univision em espanhol nos Estados Unidos, número superior a qualquer outro esporte em 2014.

Bélgica x Argélia 2,2 milhões de telespectadores assistiram à Canvas na Bélgica, segunda maior audiência televisiva da história na parte flamenga do país.1,5 milhão de telespectadores assistiram àRTBF1 na Bélgica, maior audiência televisiva da história na parte francófona do país.

Rússia x Coreia do Sul 11,4 milhões de telespectadores assistiram aos canais SBS, MBC e KBS na Coreia do Sul às 7h da manhã, número 60% superior à audiência televisiva normal do horário.

Os culpados

O brasileiro tem rigores atávicos, ancestrais, com nosso esporte bretão –inversamente proporcionais aos que tem com a política.

Nelson Rodrigues  explicava isso bem: “nós, da crônica, por um funesto hábito adquirido, escrevemos que qualquer jogo foi tecnicamente falho. Se existisse tal rigor na crítica literária, Shakespeare seria uma pomposa mediocridade e Dante, um poeta de segundo time”.

Havia, segundo ele, certas coisas que um grã-fino só revelava num terreno baldio, à luz dos archotes, na presença inofensiva de uma cabra vadia. Outras não dizia nem no terreno baldio. Por exemplo: o grã-fino só admitiria que gostava de televisão ao médium, depois de morto”.

Pois bem: o brasileiro que em 30% faltou às urnas na última eleição para presidente tem vergonha de dizer que não gosta de votar: mas agora não tem mais vergonha de dizer que abomina a TV informativa.

As audiências das TVs abertas nunca foram tão baixas.

As pessoas querem baixaria e publicamente passaram a admiti-lo. Mas o futebol ocupou, no mês de julho, com tranquilidade, o lugar da baixaria.

Esse cidadão que não vota, gosta de baixaria ou futebol, vai fazer com que as TVs, por pura sobrevivência, curvem-se ao gosto de baixa extração desse povão.

No Peru, por exemplo, o ex-presidente Alberto Fujimori pediu a seu chefe de inteligência, o doutor Montesinos, que forjasse provas contra o doutor Baruch, dono do maior canal de TV peruano, para acusá-lo de ter fornecido armas ao Equador no embate entre os dois países. Baruch teve de fugir do Peru. Seu canal passou a ser, por ordens diretas de Fujimori, um desfile de fofocas, bobagens sem nexo, mulheres de bunda de fora e platitudes do pior da América Latina.

Aqui no Brasil, o golpe vai ser contrário: basta passaram as eleições, das quais vai sair vitorioso, que o governo vai batalhar uma lei de meios. Ao contrario do Peru, não vão implanter a baixaria da TV: vão usar a baixaria já instalada na TV para tentar silenciá-la. O mau gosto do populacho, que pauta a TV, vai serre espetado na conta das TVs…  E volta a aporia do biscoito: é fresquinho por que vende mais ou vende mais por que é fresquinho?

Vamos lembrar de um fenômeno bem didático dessa  crônica, que data de quase 50 anos: o número de aparelhos em uso no país saltou de irrisórios 2 mil, em 1950, para 760 mil, em 1960, e 4 milhões e 931 mil, em 1970.

Dos cerca de 2 milhões de telespectadores “colados” diariamente aos 600 mil aparelhos ligados no Rio de Janeiro em 1968, 1 milhão e 400 mil eram pobres ou muito pobres (favelados).

Foi nessa época que a ex-primeira-dama D. Cyla Médici caiu em transe, enquanto assistia ao programa do macumbeiro Seu Sete.

Tanto bastou para que o ministro Hygino Corsetti fizesse pronunciamento em que ventilava a hipótese de cassar a concessão das emissoras que insistissem com o “sensacionalismo” e a “baixaria”.

Mas, ao final no final, limitou-se a anunciar que o governo pretendia acabar com as transmissões ao vivo na televisão brasileira (com ou sem a presença de público no auditório), e que seria nomeada uma comissão interministerial com a responsabilidade de fixar, no prazo de um mês, normas de condutas para as emissoras.

Globo e Tupi assinaram um protocolo de autocensura cuja validade se estenderia até a entrada em vigor do “Código de Ética da Televisão Brasileira”, em estudos na área federal. Segundo o então diretor da Central Globo de Produções, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, o acordo firmado entre as duas emissoras com intuito de “eliminar os espetáculos de mau gosto” permitiria que impusesse “uma nova mentalidade aos programas de nível popular”.

Nelson Rodrigues foi quem respondeu melhor:

“Mas, o que queriam, afinal, os iracundos opositores da televisão brasileira?”, questionava Nelson Rodrigues. Uma TV anti-público, igualzinha à Rádio MEC, solitária, despovoada, abandonada à própria sorte? Se há uma emissora que precisa de uma média de Aristóteles, Goethe, Marx, é exatamente essa…. “Mas, para isso, para que cheguemos a um nível tão desejável, temos que esperar uns três milhões de anos. Daí para mais. Enquanto o mundo esteja nivelado por baixo, seremos fervorosos telespectadores…a televisão é assim porque o telespectador também o é. Uma coisa depende da outra e as duas se justificam e se absolvem…E se a televisão perguntar: – ‘O nosso nível é baixo. E o de vocês?’. Sim, e o nosso? (…) De que é que vive a televisão? Da audiência, sim, da santa e abnegada audiência. Muito bem. E essa audiência é constituída de quê? De esquimós, tiroleses, congoleses, chineses, pequineses, patagônios? Não. De brasileiros, meus amigos, de brasileiros” .

Agora temos uma resposta: a culpa é nossa.

]]>