Alteração no texto que cria o tipo penal “Domínio de Cidades” pode causar distorções legais

Autores do texto original temem que dispositivo se torne inaplicável.

Em 2015, o Brasil viu surgir uma nova modalidade criminal de altíssima complexidade: o “Domínio de Cidades”. Conceituado como um fenômeno tipicamente brasileiro, ele é composto por grupos de criminosos articulados, que possuem tarefas específicas com a finalidade de cometer crimes violentos contra o patrimônio e/ou para o resgate de detentos em estabelecimentos prisionais. As quadrilhas que atacam com o modus operandi do Domínio de Cidades estão sempre fortemente armadas, disseminam o terror na população e miram quantias superiores a R$ 20 milhões.

Para tratar o Domínio de Cidades com mais rigor no âmbito judicial, os deputados Ubiratan Sanderson (PSL-RS), Aluísio Mendes (PSC-MA) e Major Fabiana (PSL-RJ) apresentaram o Projeto de Lei n° 5.365/20, aprovado na Câmara dos Deputados no dia 3 de agosto de 2022. O texto original é oriundo de sugestão legislativa da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), tendo por base o estudo realizado por pesquisadores acadêmicos e concretizado com a publicação do livro Alpha Bravo Brasil – Crimes Violentos Contra o Patrimônio.

O Projeto de Lei n° 5.365/20 altera o Código Penal e cria o novo tipo penal denominado Domínio de Cidades, além de o incluir no capítulo de roubo e extorsão e o tornar crime hediondo. A punição é de reclusão entre 15 e 30 anos, sendo estendida para 20 a 40 anos em caso de vítimas fatais. Se a acusação for de lesão corporal grave, a pena variaria de 20 a 30 anos.

Ao ser aprovado na Câmara dos Deputados no início de agosto, a redação original, entretanto, sofreu alteração considerável. O relator, deputado Neucimar Fraga (PP/ES), embora tenha entendido ser pertinente a criação deste novo tipo penal, cujo voto foi pela constitucionalidade, juridicidade e adequada técnica legislativa, suprimiu um termo que modifica profundamente a redação original.

De acordo com o agente de Polícia Federal Hélio Freitas, também autor do livro Alpha Bravo Brasil, “o texto aprovado na Câmara dos Deputados suprimiu a expressão com a finalidade de praticar crime contra o patrimônio, cuja função seria delimitar a natureza do crime e enquadrar juridicamente o tipo penal proposto para dar tratamento legal mais adequado aos criminosos de alta periculosidade, responsáveis pelas ações de Domínio de Cidades. Com a modificação do projeto, o deputado relator acabou por generalizar a aplicação do tipo penal, lançando-o no varejo dos crimes comuns, inclusive aqueles que atentem contra a honra das pessoas ou agentes políticos”, ponderou o autor, que também é vice-presidente do SINPF/ES.

Hélio Freitas reforça, ainda, que a atual redação se torna passível de questionamento jurídico, concretizando-se, assim, inaplicável. Por este motivo, a Fenapef e os autores envolvidos no processo reafirmam a importância de retomar o texto inicial apresentado pelos deputados Ubiratan Sanderson, Aluísio Mendes e Major Fabiana.

Por sua vez, o agente de Policia Federal e Professor de Ciências Policiais e Segurança Multidimensional pela Escola da Magistratura Federal do Paraná, Ricardo Matias, coautor do livro Alpha Bravo Brasil, afirma que a sociedade de um modo em geral não se atentou ainda para o perigo que é o Domínio de Cidades, modus operandi criminal adaptável a qualquer empreitada delituosa, e ressalta que a discussão pelas forças policias e o meio acadêmico precisa evoluir em relação ao assunto.

Confira abaixo a redação original:

Art. 157-A – Realizar bloqueio total ou parcial de quaisquer vias de tráfego, terrestre ou aquaviário, bem como de estruturas físicas das forças de segurança pública, para evitar e/ou retardar a aproximação do poder público, com emprego de armas de fogo e/ou equipamentos de uso das forças de segurança pública, com finalidade de praticar crime contra o patrimônio.
Pena – reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta) anos.

Fonte: FENAPEF